Brasil

Nova campanha atribui proibição de drogas à desinformação

Centro de estudos nega ‘paradigmas’ como a afirmação de que a legalização da maconha pode levar a aumento do consumo

Manifestantes na Marcha da Maconha: estudo mostrou “população conservadora, mas que, ao mesmo tempo, admitia estar mal informada”, diz socióloga
Foto: CARLOS IVAN/10-05-2014
Manifestantes na Marcha da Maconha: estudo mostrou “população conservadora, mas que, ao mesmo tempo, admitia estar mal informada”, diz socióloga Foto: CARLOS IVAN/10-05-2014

RIO — Entre os defensores da legalização das drogas, o argumento de que a guerra no combate a substâncias ilícitas é prejudicial a todos vem sendo repetido há tempos, mas agora está posta uma reflexão distinta: a falta de informação em torno do assunto também é generalizada e leva à resistência às medidas de flexibilização. É o que afirma a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e da campanha “Da proibição nasce o tráfico”, que será lançada hoje. A ação foi elaborada depois que um estudo do centro concluiu que ainda é amplo o desconhecimento sobre as políticas de drogas.

Desenvolvida ao longo de quatro meses em 2013, a pesquisa envolveu 14 grupos focais com entre dez e 12 pessoas, cada. Participaram moradores do Rio de variados grupos etários, classes sociais, profissões e hábitos relacionados a substâncias ilícitas, descreve Julita:

— Nosso objetivo era entender como as pessoas percebem essa questão. O que vimos, em todos os grupos, foi uma população bastante conservadora, mas que, ao mesmo tempo, admitia estar mal informada. Mesmo pessoas da área médica, como psicólogos, psiquiatras e médicos, ou operadores do sistema judiciário assumiram desconhecer questões ali colocadas.

Algumas delas, explica, eram informações sobre casos considerados bem-sucedidos, como o de Portugal, onde o consumo de drogas foi descriminalizado em 2001. Outras estavam relacionadas ao que Julita chama de “paradigmas proibicionistas”, como a afirmação de que a maconha é a porta de entrada para todas as drogas e a ideia de que a legalização pode levar a um aumento de consumo.

— Mostramos que, em Portugal, as taxas de consumo caíram depois da descriminalização, principalmente entre os jovens. As pessoas se surpreendiam quando colocávamos essas informações — conta a coordenadora do CESeC. — Julgamos que, se as pessoas tiverem as informações adequadas, vão se perguntar duas vezes: “Afinal de contas, o que estamos ganhando com essa guerra às drogas?”.

CHARGISTAS APOIAM AÇÃO

“Da proibição nasce o tráfico”, porém, deve gerar divergências, assim como o debate sobre o assunto. Favorável a um endurecimento da política de drogas, o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) prevê o fracasso da campanha:

— Quando a população é mais bem informada, ela fica contra a legalização, não a favor. A ciência mostra os danos que a dependência química causa, e a desculpa de que a liberação acabaria com o tráfico é tola. As drogas foram proibidas pelo sofrimento e as tragédias que causaram. Podem fazer a campanha que quiserem, que isso (a legalização) não vai acontecer.

Entendendo que o debate atual “tem uma certa dose de hermetismo”, a campanha recorreu a charges para tratar do tema. Os cartunistas André Dahmer, Angeli, Arnaldo Branco, Laerte e Leonardo foram convidados a criar ilustrações. “Enxugou muito gelo hoje, amor?”, indaga a mulher de um soldado que regressa à casa no desenho de Dahmer.

— Fico bobo de ver é que estamos nessa guerra há tantos anos, sem sinal de melhora e tanto derramamento de sangue. Considero um equívoco pensar que, com a legalização, o Estado não vai conseguir controlar as drogas, uma vez que álcool, tabaco e remédios de tarja preta são controlados. Gostaria que essa discussão fosse menos moralista e mais técnica — opina o cartunista.


Cartum de Laerte: caixa registradora faz as vezes de palanque
Foto: Divulgação
Cartum de Laerte: caixa registradora faz as vezes de palanque Foto: Divulgação

— Além de crime e morte, a guerra às drogas gera um dinheiro extraordinário, que não passa pela menor fiscalização e enriquece muita gente. O meu desenho procura insinuar a conexão entre comércio e a demagogia proibicionista do tema — acrescenta Laerte, criador de cartum em que uma caixa registradora faz as vezes de palanque para uma autoridade.

As peças vão circular em ônibus e na internet. Em um site da campanha, haverá vídeos e perguntas e respostas sobre o tema. Questões como “Qual a diferença entre descriminalizar, legalizar e regular” são respondidas com estudos científicos e dados sobre países que adotaram medidas de flexibilização.

— Um dos efeitos da proibição é gerar desinformação. Justifica-se a atual política pela geração de uma proteção que é falaciosa. Se as drogas fossem regulamentadas, não haveria boca de fumo ou traficante no Brasil — defende Emílio Figueiredo, consultor jurídico do site Growroom, que discute a legalização da maconha.

— Os discursos punitivos alimentam uma lógica que não se comprova. Nunca se prendeu tanto por trafico, mas isso não significou redução do comércio. A proibição em si não altera a realidade, só muda a lógica do mercado, com um comércio ilícito — completa Luciana Boiteux, professora de Direito Penal e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Política de Drogas e Direitos Humanos da UFRJ.